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Perfil Comportamental e Educação Financeira: Uma análise cultural e científica sobre a relação do homem com o dinheiro.

  • Foto do escritor: Jean Hoffmann
    Jean Hoffmann
  • 22 de jul.
  • 9 min de leitura
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Será que o comportamento interfere diretamente nas finanças pessoais? Ou seria a ausência de educação formal a principal causa do desequilíbrio financeiro de tantas pessoas? Na rotina de milhares de brasileiros, atitudes como o consumo impulsivo, a procrastinação e a falta de controle não são apenas decisões pontuais — são padrões que se repetem, muitas vezes enraizados desde a infância.

A sociedade costuma reforçar que a solução está na educação: “basta ensinar que tudo se resolve”. Mas e quando o indivíduo conhece os fundamentos, sabe o que deve fazer, e mesmo assim não faz? É neste ponto que o perfil comportamental entra em cena. O modo como cada pessoa pensa, decide, lida com recompensas e frustrações pode ser tão ou mais determinante que o conhecimento técnico sobre finanças.

Esse artigo propõe uma análise multidisciplinar que cruza Psicologia Comportamental, Finanças Comportamentais e Cultura Brasileira — para responder a uma pergunta essencial: o que pesa mais na gestão financeira pessoal — o que sabemos ou como nos comportamos?


2. Fundamentos das Finanças Comportamentais


As finanças comportamentais emergem como uma resposta crítica à visão tradicional da economia, que assume que os agentes são racionais, maximizadores de utilidade e tomam decisões com base em informações completas e objetivas. Essa abordagem clássica, embora útil em modelos teóricos, ignora aspectos fundamentais da psicologia humana.

Segundo o estudo de Pimenta, Borsato e Ribeiro (2012), publicado na Revista de Gestão (REGE), as finanças comportamentais incorporam elementos como:


  • Emoções e falhas cognitivas que influenciam decisões financeiras.

  • Vieses psicológicos, como o excesso de confiança, que afetam investidores, analistas e profissionais do mercado.

  • Características sociodemográficas (idade, gênero, escolaridade) que modulam o impacto desses vieses.


O estudo investigou 398 profissionais do mercado financeiro e concluiu que:

“Diferenças de opinião, estilo e percepção da realidade, motivadas por características pessoais e de investimento, e a suscetibilidade ao viés de excesso de confiança exercem impacto relevante na tomada de decisões”.

Essa evidência reforça que não basta conhecer os fundamentos financeiros — é preciso entender como o indivíduo interpreta e reage às informações, o que depende diretamente do seu perfil comportamental.


  1. Psicologia Comportamental e Educação Financeira


Ao considerar que decisões financeiras são fortemente influenciadas por emoções, crenças e experiências pessoais, como apontado por Pimenta, Borsato e Ribeiro (2012), é impossível dissociar o comportamento financeiro da psicologia humana. Se os agentes econômicos não operam de forma perfeitamente racional, como pressupõe a teoria clássica, a compreensão dos processos mentais e emocionais que envolvem a tomada de decisão se torna fundamental.

É nesse ponto que a Psicologia Comportamental se integra à educação financeira, não apenas como uma lente explicativa, mas como um instrumento pedagógico. Estudos como os de Ditta e Ramirez (2021) indicam que a inserção da psicologia nas práticas de educação financeira é uma estratégia promissora para promover mudanças efetivas de comportamento. O foco deixa de ser apenas o “ensinar como fazer” e passa a incluir o “por que não se faz”, mesmo quando se sabe.

No Brasil, esse movimento ganhou força com a inclusão da educação financeira como tema transversal na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), permitindo que aspectos emocionais, sociais e cognitivos sejam tratados desde a formação escolar. Essa abordagem favorece o desenvolvimento de habilidades como:


  • Autorregulação emocional

  • Pensamento crítico sobre consumo

  • Identificação de gatilhos de impulsividade

  • Planejamento de longo prazo com senso de propósito


Ao incorporar elementos da psicologia ao processo educativo, cria-se um espaço fértil para formar não apenas cidadãos mais informados, mas, mais conscientes do próprio estilo de decisão — e capazes de superar padrões limitantes de comportamento financeiro.


4. Teoria do Prospecto: Decisões Financeiras sob Risco e Emoção


A partir da premissa de que os indivíduos não tomam decisões financeiras de forma puramente racional, Daniel Kahneman e Amos Tversky desenvolveram a Teoria do Prospecto (1979), considerada um dos pilares das finanças comportamentais. Essa teoria rompe com o modelo clássico da Teoria da Utilidade Esperada, ao demonstrar que as pessoas avaliam ganhos e perdas de forma assimétrica — ou seja, a dor de perder é psicologicamente mais intensa do que o prazer de ganhar.


Kahneman, psicólogo cognitivo, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 2022, mesmo sem formação em economia, por ter mostrado que fatores emocionais e cognitivos distorcem sistematicamente o julgamento humano. Sua contribuição foi decisiva para consolidar a economia comportamental como campo científico.

A Teoria do Prospecto revela que:


  • Indivíduos tendem a evitar perdas mais do que buscar ganhos equivalentes (aversão à perda).

  • Preferem certezas a probabilidades, mesmo quando a opção incerta tem valor esperado maior (efeito certeza).

  • Ignoram partes comuns entre opções e focam nas diferenças (efeito isolamento).

  • São influenciados pelo ponto de referência — o contexto ou expectativa que define se um resultado é percebido como ganho ou perda.


Esses padrões foram observados inclusive entre estudantes universitários com alto nível de instrução, o que reforça que conhecimento técnico não elimina os vieses cognitivos.

Ao conectar essa teoria com a educação financeira, percebe-se que não basta ensinar o “como fazer” — é preciso compreender por que o indivíduo não faz, mesmo sabendo. A Teoria do Prospecto oferece esse olhar psicológico, permitindo que programas de educação financeira sejam mais eficazes ao considerar o comportamento real das pessoas diante do risco, da incerteza e da emoção.


5. Perfil Comportamental e Comportamentos Financeiros


A partir da compreensão de que decisões financeiras estão sujeitas a influências emocionais, cognitivas e comportamentais — como evidenciado pela Teoria do Prospecto e pelas contribuições de Kahneman — torna-se essencial examinar os comportamentos cotidianos que materializam esses vieses. Entre os mais recorrentes estão o consumo compulsivo, a procrastinação e a impulsividade, que, embora distintos em manifestação, compartilham raízes psicológicas e produzem efeitos financeiros concretos.

O consumo compulsivo, por exemplo, representa a busca por gratificação imediata como resposta a estímulos emocionais, sociais ou até mesmo publicitários. A pesquisa conduzida por Eliécia Brandão (2020) identificou que indivíduos com esse padrão de comportamento, especialmente no ambiente digital, frequentemente apresentam desequilíbrio financeiro, mesmo quando possuem algum grau de conhecimento sobre finanças pessoais. Isso reforça a tese de que o saber técnico, por si só, não garante decisões financeiras saudáveis — é preciso trabalhar o autocontrole e a consciência emocional.

Outro comportamento igualmente nocivo é a procrastinação. Adiar o planejamento financeiro, o controle de gastos ou a tomada de decisões estratégicas pode parecer inofensivo no curto prazo, mas seus impactos acumulam-se silenciosamente. O estudo de Ferrari et al. (2019) demonstra que essa tendência afeta diretamente a capacidade de ação financeira e está associada à aversão ao esforço cognitivo e à antecipação de desconforto. Procrastinar, portanto, não é apenas uma questão de gestão do tempo — é uma falha comportamental com profundas implicações econômicas.

Por fim, a impulsividade também aparece como um traço decisivo na forma como os indivíduos lidam com o dinheiro. Conforme apontado por Myerson et al. (2016) e Ainslie (1975), pessoas impulsivas demonstram preferência por recompensas imediatas, mesmo que menos vantajosas, desvalorizando os ganhos futuros. Isso afeta diretamente decisões como o uso indiscriminado do crédito, a adesão a compras parceladas sem análise de juros e a baixa adesão ao investimento de longo prazo. Esse fenômeno é conhecido como “desvalorização por atraso” — quando o valor percebido de uma recompensa futura é drasticamente reduzido em função da espera.


6. Cultura Brasileira, Políticas de Consumo e Educação Financeira


A cultura do consumo no Brasil é marcada por uma valorização simbólica do status e pela busca de pertencimento social por meio da aquisição de bens. Zygmunt Bauman (2008), ao discutir a transição da sociedade de produtores para a sociedade de consumidores, aponta que o consumo deixou de ser apenas uma atividade econômica para se tornar um mecanismo de identidade social. Nesse novo paradigma, o indivíduo é valorizado não pelo que é, mas pelo que consome — e, paradoxalmente, também se torna uma mercadoria. A satisfação é efêmera, e a obsolescência planejada dos produtos alimenta um ciclo de desejo e frustração que perpetua o consumo compulsivo.

Pierre Bourdieu (1983), por sua vez, analisa o consumo como uma estratégia de distinção social, em que os estilos de vida e as escolhas de consumo refletem o hábito de cada classe. Para ele, o consumo não é neutro: é uma prática carregada de significados sociais, que reforça desigualdades e delimita fronteiras simbólicas entre os grupos. No Brasil, essa lógica se manifesta na busca por bens que sinalizem ascensão social, mesmo que isso implique em endividamento excessivo e fragilidade financeira.

Esse cenário foi intensificado a partir de 1994, com o Plano Real e, especialmente, após 2002, quando políticas públicas passaram a incentivar o consumo como motor do crescimento econômico. O acesso facilitado ao crédito, a expansão do mercado interno e a inclusão de milhões de brasileiros na chamada "nova classe média" geraram ganhos econômicos relevantes, mas também aumentaram o risco de superendividamento das famílias. O consumo passou a ser visto como um direito e um dever, mas sem o devido suporte educacional para lidar com suas implicações financeiras.

Nesse contexto, foi criada em 2010 a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), com o objetivo de promover a cultura da educação financeira no país. Embora tenha sido formalmente instituída por decreto, sua implementação enfrentou limitações estruturais, baixa capilaridade e resistência política. Em especial, houve críticas de setores da esquerda, que alegaram que a educação financeira não seria aplicável à população de baixa renda, sob o argumento de que "quem ganha pouco não tem como se planejar financeiramente". Essa visão, no entanto, ignora que os mais vulneráveis são justamente os que mais se beneficiariam de uma formação que os capacite a lidar com crédito, consumo e planejamento de longo prazo.

Além disso, estudos apontam que a ENEF carece de mecanismos robustos de avaliação de impacto e sofre com a falta de integração entre suas iniciativas. A ausência de educação financeira estruturada nas escolas e nas famílias perpetua padrões de consumo desinformado e emocional, reforçando o ciclo de vulnerabilidade econômica.


7. Intervenções e Caminhos Possíveis


Diante dos desafios comportamentais e culturais que permeiam a relação dos brasileiros com o dinheiro — como o consumo impulsivo, a procrastinação e a influência do status social sobre decisões financeiras — torna-se urgente propor intervenções que transcendam o modelo tradicional de educação financeira. Não basta ensinar fórmulas matemáticas ou noções de juros: é preciso engajar o indivíduo em um processo de autoconhecimento, transformação e pertencimento.

Uma das estratégias mais eficazes é promover a educação financeira com abordagem comportamental. Isso significa incluir ferramentas práticas como testes de perfil psicológico, simulações de decisões financeiras reais e estudos de caso que reflitam contextos semelhantes ao do público-alvo. Ao invés de um único caminho de ensino, propõe-se uma trilha adaptada à forma como cada perfil se comporta frente ao risco, à recompensa e ao planejamento.

Nesse sentido, ganham relevância os programas personalizados de aprendizado. A proposta de Calado (2023) é exemplar: ao desenhar trilhas educacionais baseadas nos perfis comportamentais previamente identificados, seu método permite que cada indivíduo receba orientações compatíveis com sua forma de pensar e agir. Um perfil mais impulsivo, por exemplo, poderia trabalhar práticas de autocontrole, enquanto um perfil procrastinador receberia estímulos de curto prazo para manter o engajamento.

Além da dimensão individual, é necessário atuar no coletivo. As ações culturais e comunitárias devem fomentar valores como o consumo consciente, a reflexão sobre status e pertencimento social, e o planejamento como instrumento de liberdade. Oficinas, rodas de conversa e projetos locais podem estimular transformações que ultrapassam a esfera da técnica e alcançam o campo da consciência social.

Estas intervenções não são soluções isoladas, mas peças que, integradas, compõem uma resposta estruturada aos dilemas financeiros do Brasil contemporâneo. Incorporar o comportamento humano ao modelo educacional é o passo que falta para transformar informação em ação — e vulnerabilidade em autonomia.


Para concluirmos o assunto e deixar o ponto de exclamação - O que você fará de diferente daqui pra frente?


Diante da complexidade que envolve o comportamento humano e sua relação com o dinheiro, torna-se evidente que educação financeira não é — e jamais será — uma simples questão de ensinar regras básicas de economia doméstica. O conhecimento técnico, embora necessário, não é suficiente. O grande desafio está em alcançar o indivíduo onde ele de fato decide: em sua mente, em suas emoções, em seus padrões de comportamento.

No Brasil, onde o consumo é historicamente exaltado como símbolo de ascensão social, e o crédito foi popularizado como substituto do poder de compra, o resultado é uma sociedade que muitas vezes confunde liberdade com parcelamento. O planejamento financeiro virou sinônimo de privação — quando, na verdade, deveria representar autonomia.

É nesse cenário que a intersecção entre perfil comportamental e educação financeira revela seu poder transformador. Compreender os traços psicológicos que influenciam as decisões diárias é essencial para construir políticas, programas e conteúdos que não apenas informem, mas transformem.

E aqui vai o puxão de orelha: não adianta reclamar das contas, do sistema ou da falta de dinheiro, se continuar repetindo os mesmos hábitos sem refletir sobre eles. Responsabilidade financeira começa por reconhecer o próprio estilo de pensar — e, a partir daí, evoluir. Isso serve para o governo, para os educadores, para os empresários e, principalmente, para cada cidadão.

Mais do que ensinar a fazer conta, é preciso ensinar a pensar sobre o dinheiro. E para isso, é hora de unir a força da psicologia com a técnica da educação — antes que o parcelamento nos parcele também.







Fontes de referência - Revistas USP, IPEA, Banco Central, Universidade de Brasiília, UFRRJ, Nobel Prize, Infomoney, Ciência e Negócios, Scielo, UFPB



.....Este conteúdo foi desenvolvido com o apoio da inteligência artificial Copilot, da Microsoft, combinando tecnologia e curadoria humana para entregar informação de qualidade.

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